27 de abr. de 2011

Especial - Crônica

EM CADA PARADA, DESCEM UNS. SOBEM OUTROS

Oito horas da manhã e densas nuvens pairam no céu. Por entre um grupo de senhoras, surge Samuel de Sá, mais um trabalhador brasileiro. Caminha apressado para o ponto de ônibus. Há 12 anos, percorre o mesmo trecho. Diariamente, transporta em suas mãos as notícias de parentes distantes para outros, simples cartas e até mesmo as infindáveis contas. Samuel é carteiro e conhece cada canto da cidade da Zona da Mata que, um dia, se firmou como a Manchester Mineira. E em cada parada; desce um. Sobem dois.

Sob o ritmo incessante e, por vezes, irregular do grande veículo, pela janela, ele vê a cidade passar. E quantos contrastes. Prédios, casas, lojas, tudo muda tão rápido. Assim como o tempo frio, o clima dentro do ônibus, por momentos, parece hóstil. O alumínio se mistura e se confunde com o ferro maciço que sustenta o coletivo. O barulho do motor é estridente. Conversar ali, quase uma missão impossível. E pelo vidro, um pouco embasado, o jovem carteiro, calado, fixa seus olhos no distante horizonte. E, em cada parada, descem dois. Sobem três.

Pelas estreitas ruas pavimentadas, o ônibus segue rumo ao seu destino. Casas. Prédios. Mercados e padarias. O movimento de transeuntes nas calçadas de cimento grosso aos poucos vai aumentando. Em meio àquele clima gélido, uma voz ecoa sem cessar. Todos que passam pela roleta, agora com ares de modernidade devido à bilhetagem eletrônica, recebem um cumprimento do antigo e, talvez extinto, cobrador. Sim, extinto; pois, hoje um cartão magnético. Amanhã... deixa pra lá. E, sem se preocupar com este amanhã, o cobrador espalha sua simpatia. Confessou que já teve outras profissões. Foi vendedor ambulante, ou camelô, como alguns perferem chamar. E, em cada parada, descem três. Sobem quatro.

Samuel, o de Sá, trabalhador brasileiro, segue calado, enquanto o cobrador não pára. Quanta animação! Dizem por aí, segundo os mitos da ciência popular, que mulher fala muito. Esse cobrador fala dobrado. E, do outro lado do vidro, as casas, algumas delas sem pintura, vão saindo de cena. Vão surgindo prédios cada vez mais altos. As ruas que estavam estreitas, vão se alargando. De repente, se transformam em duas pistas. Opa! Equívoco meu. Na verdade, são seis pistas. Uma multidão de carros, ônibus, motos, bicicletas e até uma... carroça!? Pois é, um carroça. Em meio aquele frenesi de automovéis, o carroceiro conduz tranquilo, como se os ponteiros do tempo estivessem parados. E novamente, em cada parada, descem quatro. Sobem cinco.

As calçadas que há dois minutos apresentavam-se sob o cimento cru e com buracos, agora se mostram, majestosamente, sob as pedras portuguesas que dominam todos os passeios da região comercial. Samuel olha, ainda, calado. Engraçado! O senhor simpatia da roleta, também se cala. Agora – sério - confere o dinheiro e em silêncio ajuda uma senhora com uma bolsa a transpor a barreira eletrônica. Samuel desce e, como num passe de mágica, some no meio da onda humana que, cotidianamente, invade as ruas centrais. E o veículo contínua a sua viagem. Pois, em cada parada, descem cinco. Sobem seis.

Prédios, casas, prédios, lojas, prédios... e, novamente, prédios. A selva de concretos e altos arranha-céus parece não acabar. Ali, todos moram uns sobre os outros. Colados uns ao lado dos outros. Mas poucos se conhecem. Mal se cumprimentam dentro de uma caixa metálica que sobe e desce. Talvez, queiram ficar próximos dos lugares onde tudo acontece. Verdade. Antagonismo urbano. Fazer o quê? As pessoas já se acostumaram com esse filme que se repete de quatro em quatro anos. Creio que se acomodaram. Mudar pra quê? É mais fácil assim. Bem mais fácil. Última parada, descem seis. Não sobe ninguém. Wellerson Cassimiro

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